quarta-feira, 28 de março de 2018

Não é coisa pouca / Nun ye cousa pouca



Sei que sabes porque escrevo,
quando em mim acorda a manhã
e espreito o mundo a nascer de novo,

Conheci o desnorte à saída do ninho
e um rio a correr-me dos olhos,
um rio de ânsias e inquietudes
um rio por onde me escapulia
e morria de saudades.
De aconchego e de segredo,
levava os livros na pasta.

Endureci e bendigo a coragem, o corte,
o desapego, o arranque das plumas.
Percebi que é na dor e na precipitação
que o credo ganha força,
e que em caminho minado, dá-se a volta,
como em tango desesperado.

Viver não é coisa pouca.

Quando no peito o calor deflagra,
abrem-se melodias, caminhos de prazer,
compassos de dança,
que as palavras se atrevem a dizer.

Pode ser revolta ou descontrole, mas escrever
é sempre a hora, o desanuviamento, o salto,
o encontro.

Sei que sabes que escrever
é uma urgência, um ato de amor.



Nun ye cousa pouca

Sei que sabes porque scribo,
quando an mi acorda la manhana
i spreito l mundo a nacer de nuobo,

Coinci l znorte a la salida de l nial

i un riu a correr-me de ls uolhos,
un riu d´ánsias i termientas,
un riu por adonde me scapulhie
i morrie de soudades.
D'arrolho i de segredo,
lhebaba ls lhibros na pasta

Andureci i bendigo la coraige, l corte,
l zapego, l'arranque de las prumas.
Percebi que ye ne l delor i na precepitaçon
Que el acraditar ganha fuorça,
i q'an camino minado, dá-se la buolta,
cumo an tango zesperado.

Bibir nun ye cousa pouca

Quando ne l peito la calor abrolha,
Hai caminos q´ábren melodies,
caminos de prazer, cumpassos de dança,
que las palabras s´astrében a dezir.

Puode ser rebuolta ou çcuntrole, mas screbir
ye siempre l'hora, l zanubiamento, l salto,
l'ancuontro.

Sei que sabes que screbir
ye ua ourgéncia, un ato d'amor

Teresa Almeida Subtil

quarta-feira, 21 de março de 2018

Corpo de amendoeira / Cuorpo d'almendreira



 Meus braços expandem estrelas
E teus lábios breves e intensos
São violinos vermelhos
Suspensos.


Brancos são os versos do meu peito
Rasgando o espaço.

E num lapso de tempo
Pétalas entontecidas bailam na ladeira.
Rejuvenescida.

O amor é volateio. Poesia em mim
Ave e corpo de amendoeira
Chilreio de ti.

Cuorpo d'almendreira (mirandés)


 Ls mius braços sbolácian streilhas
 I ls tous suables lhábios
 Son biolinos burmeilhos
 Sustenidos.


 Brancos son ls bersos de l miu peito
 Resgando l spácio.


 I nun cachico de tiempo
 Pétalas amboubecidas beilan na cuosta.
 Remoçada.



L'amor ye sbolácio. Poesie an mi
 Abe i cuorpo d'almendreira
 cantigas de ti.

Teresa Almeida Subtil 


domingo, 18 de março de 2018

E tudo isto o ser humano consente ...


De repente … a imagem atravessa-me a mente 
E a culpa nunca nos pertence.
São mesas requintadas 
e fartura sem limites.
São paramentos dourados e crianças tristes.
Desertos de sede e de fome.
Desespero. Crianças-esqueletos deambulando
Sem nome.
Só areia e pedras. E sofrimento.
O caos da inteligência. A desumanidade.

A imagem atravessa-me a mente.
Onde estão as palavras selvagens
As bandeiras da liberdade?
A vontade de desarmamento?
E os exterminadores de inocentes?
Palavras não chegam, nem correntes, nem orações.
Está visto.

A imagem atravessa-me a mente.
Onde estão os poderosos e os milhões?
O povo não percebe. 
O povo não sabe. 
Exige-se ação, paz e pão.
E não saímos disto.

Teresa Almeida Subtil


quinta-feira, 8 de março de 2018

O fogo pertence-nos




Está frio. Acendes a lareira e as brasas
Emanam tal magia que o Inverno
É apenas melodia. Sente-se-lhe o rugido.
E neste rigor sobe o calor nos teus braços.
O fogo pertence-nos.

A lareira é o centro. E a mulher
Dá o toque e a graça. É a que se rasga
E traz a vida em si. É ventre. É casa.
A que se move porque a música existe.
Rio de luz que a percorre e sente. É plena.
É pétala e saia de linho. E arca de afetos.

É o xaile negro. A escarpa. E a neve que se derrete
E perde os limites. E em impossíveis acredita.
A que agarra a felicidade
No instante em que o passo resvala.
A que te rouba o coração e o deixa livre.
É a lareira acesa e o instante que nos cega.


L fuogo pertence-mos (mirandés)

Fai friu. Acendes l lhume i las brasas
Reçúman tal magie que l Ambierno
Ye solo melodie. Sinte-se-le l rugido.
I nesta friaige chube la calor ne ls tous braços.

L fuogo pertence-mos.

L lhume ye l centro. I la mulhier
Dá l toque i la grácia. Ye la que se resga
I trai la bida an si. Ye bientre. Ye casa.
La que se mexe porque la música eisiste.
Riu de lhuç que la percuorre i sinte.
Ye pétala i saia de lhino. I arca de carinos.

Ye l xal negro. La scarpa. I la niebe que se çfai.
I perde ls lhemites. I an ampossibles acradita.
La q'agarra la felcidade
Ne l sfergante an que l passo resbala.
La que te rouba l coraçon i l deixa lhibre.

Ye l lhume aceso i l sfergante que mos cega.

Teresa Almeida Subtil

domingo, 4 de março de 2018

Beijos pendurados

Soube que me escreveras pelos beijos cristalinos
pendurados do correio. A caixa permanecia fechada.
O portão não abria. Na espera cristalizou-se o tempo.
E as lágrimas caíam. Os poetas deliraram e corriam
a comer as sílabas que, do céu, tombavam.

Atapetado o jardim que, um dia, de verde se vestira,
sossegava na alvura macia da noite.
E a paz do silêncio era cortada por abraços gelados.
Céu e terra.

De tanto desejar marquei meu passo
na tua exuberância imaculada.
E fiz a festa. E saboreei-te neve fria.
E cometi plágio de vibração e fantasia.

Teresa Almeida Subtil
28.02.2018




Para Olinda Melo

LIBERDADE