segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Poesia de cave




Eu até me atrevia a dizer o poema. O tal que se entrelaçava nas cores da noite e refulgia intenso como a chama que ardia no meu copo. E da chuva miudinha inventada em resquícios de partitura.
O tal que tinha a espessura do chocolate negro que saboreava.
Eu até me atrevia. A poesia que saía da luz do canto era evaporada, intensa. Elixir e agrura do dia a dia. Mas passava as galáxias. Malha fina, escrita com as vísceras e a alma que não sabemos onde fica, mas que vibrava nos olhos da escuridão. Poesia de cave. Escrita com o corpo inteiro. Passos andados. Poetas consagrados. E as guitarras, por ali, eram afinadas no verso mais arrepiado.
Eu até me atrevia, mas o farragacho que trazia perdeu alturas. A bateria foi esmorecendo …
E na mochila que havia? Medicamentos que o otorrino me receitara. Nem a alminha dum poema. Coisa rara!
De cor? Essa ardeu na fogueira. Já não a procuro. Está tão entranhada que não é fácil desarrolhá-la. Como o casaco quentinho e solto de traça antiga que a Isa adora de paixão. Ainda tem a assinatura do coração. Faltava o “Rive Gauche” que provocou tantos arrebatamentos. A essência ainda se pressentia na palavra.
Cantei, a medo. Baixinho. Fiz parte do coro. E senti a vibração da poesia que não disse, mas que poderia crescer, por ali …
Aromática 
Erva cidreira


Teresa Almeida Subtil
em "Pinguim Café"
22.01.2018

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

A meus netos

Como um livro que ao vento se desfolha E folha a folha se oferece e surpreende. Como riso que levita e outras vezes Lágrimas verte e brasa acende.
Já não se ouve o arrulho no pombal Nem as corridas escada abaixo, escada acima. Mas sinto a toada que me cresceu O rio, o monte, o sonho e eu E do salgueiro a impetuosidade.
Palpita de novo a alma do alpendre Desafios maternos, infinitos verbos. Nua, a grade resistiu E à intimidade do tempo confiou Novas sementeiras.
E meu livro é minha escolha Meu rio, minha folha, meu desejo Que dedilho na inquieta pele da palavra.
Em meu regaço renasce o espanto dos pardais O encanto do universo e da poesia azul Quadro que festejo beijo a beijo.
Teresa Almeida Subtil

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Somos bando ( para Alice Queiroz)



Chamaram-te os teus olhos e e o teu sorriso.
Viste-me perdida.

Entrei no bar como poetisa atrevida, em concurso.
Noite dentro. Sozinha.
E tu, andorinha arribada. Eras graça, ninho aberto
E e no teu bico as flores eram versos
Que não te atrevias a partilhar. Recheados de candura.

O teu bando foi crescendo, com naturalidade
E alegria E o abraço de um retalho de céu.
Perdoavas-me as ausências “vens de longe, Teresa!”

Éramos do bando, dos afetos e dos jardins perfumados.
E da poesia que as andorinhas escreviam nos beirais, fio a fio.
E o meu voo ao teu ficou abraçado.

Partiste, mas a andorinha pequenina, de asas brancas, esvoaça na sala
Ainda.
Asas que me ofereceste. Sorriso celeste. Poesia inacabada.

Teresa Almeida Subtil